quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

#32

Era uma manhã ensolarada, um prédio quase a beira mar.

Estacionei o carro, abri a porta e peguei minhas anotações e o belo vaso.
Entrei pela portaria e um morador olhou pra mim e perguntou se eu ia até o apartamento 17.

Como ele sabia?

"No andar de cima, do outro lado do corredor".
"Muito obrigado".

"Eu sei aonde voce vai..."

Não foi difícil de entender que era o aniversário da moradora quando subi a escada e calculei pela distancia que aquelas outras mulheres na porta de um apartamento de portas abertas estavam comemorando alguma coisa.

Olhares felizes, sorrisos mas apontamentos para dentro do apartamento me fizeram concluir que as flores não era pra nenhuma delas.

E surge a feliz aniversariante, toda arrumada. Feliz!

"Que flores lindas, muito obrigado".

Saio andando em direção ao carro e vejo lá de cima uma pessoa abaixada ao lado da porta do carro.

Alguém querendo roubar o carro?

Acelero o passo e vou pensando na estratégia de abordagem.
Pela posição da pessoa decido que vou dar a volta por trás do carro e tentar surpreender o ladrão.

Pulo e agarro? Pego pelo pescoço? Mata leão?

Passo pelo morador e ainda consigo desejar um bom dia.
Já sinto a adrenalina circulando e a frequencia cardíaca aumentando rapidamente.

Dou a volta por trás do carro e quando me viro vejo uma senhorinha se levantando com um copo na mão, recém tirado do chão.

"Essas pessoas não conseguem nem jogar um copo no lixo? Precisam sujar as ruas?"

A senhorinha nem sabe que acabou de escapar de uma voadora...

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

#31

Como já andei escrevendo, as vezes ganho gorjeta.

Mas só as vezes...

Outras vezes, como já está se tornando mais corriqueiro, ganho muito mais que uma gorjeta...

Foi no domingo passado, dia de entregas especiais.

Apesar do GPS ter me levado pro lado errado da rua, consigo achar o endereço certo, casa certa.

Desço do carro, pego as flores e me dirigo pra porta da casa.
Toco a campainha e espero um pouco.

Ouço o barulho da maçaneta girando, a porta abrindo e lá dentro vozes de crianças brincando.

A moça que abriu a porta olhou as flores e disse, sorrindo:

"Que flores lindas, são pra minha avó!"

E me deu um sorriso lindo, maravilhoso...

Fazia tempo que não recebia um sorriso desses, tão sincero e delicado.

Melhor que gorjeta

#30

A entrega era num hospital.

Como sei que não vou precisar do celular pra tentar falar com ninguém, deixo no carro e entro no prédio.

Localizo o apartamento e a funcionária me acompanha até o quarto.
O cidadão tinha operado o joelho recentemente e tinham várias pessoas no quarto.

Um parente nos recebe e quando falo que é uma entrega de flores ele olha pra uma mulher e fica esperando ela se mexer e vir pegar o vaso pesado. Um folgado, no mínimo... rs rs

Pelo menos ele se dignou a assinar o recebimento.

De volta ao elevador, entro junto com um funcionário da limpeza.
Aperto o botão e enquanto o elevador desce ouço o sinal de alarme no celular dele e da moça do hospital que me acompanhou.

"Alarme de furacão?" pergunto eu.
"Não, aviso de criança sequestrada".
"Ah, tá"...

No que ele prontamente respondeu:
"Um aviso de criança sequestrada e voce reage dessa maneira?"

O elevador abre a porta e eu saio andando na direção do carro.

Agradeço à moça e vou embora.

Entro no carro e me dou conta do comentário do funcionário e da minha indiferença.
A que ponto eu cheguei? Não me impressionar com uma criança sequestrada?

Isso não deveria ser a minha reação.
Definitvamente...

#29

Ainda no capítulo sobre "anjos da guarda", fui fazer uma entrega num lugar longe.

Vizinhança aprazível, lugar bacana, ruas e braços de mar com casas com garagem pra carros na frente e pra barcos nos fundos da casa.

Mas longe, definitivamente.

Olho os números dos prédios tentando achar o destino daquele grande e pesado vaso.
O roteiro mostra apartamento 403, ou seja, no 3o andar do prédio (o térreo já é o 1o andar...).

Ando mais um pouco e vejo o prédio, vaga pra visitante.

Desço do carro, carrego meus papéis e pego o vaso.

Ando até a porta de entrada e dou de cara com um interfone com os números dos apartamentos com seus respectivo códigos. Nada de porteiro...

Ligo pro código indicado no diretório de telefones e começa a tocar... ninguém atende...
Procuro o código do escritório e ligo, numa tentativa de convencer alguém a abrir a porta e me autorizar a deixar o vaso na porta do apartamento.

Caixa postal e uma mensagem dizendo que o horário de atendimento é até as 5 da tarde (e são 4:50...).

Começo a ligar novamente pro apartamento, agora usando o celular e o número que tem no pedido, acreditando que deve ser o celular da pessoa, ela vai atender e me passar o código de acesso do prédio.

Caixa postal, mesmo recado...

Lá dentro vejo um cara mais velho, cabelos e barba brancos olhando pra mim. através da porta de vidro. Ele caminha na minha direção, olha pra mim e abre a porta. Em silencio, sem falar nada.

Agradeço a gentileza e vejo uma leve alteração no rosto dele.

O elevador chega, ele entra com a bicicleta, pergunta que andar eu vou e não fala nada.
Eu desço na 4o andar, ele vai pro 6o.

E quem disse que anjo da guarda não ajuda? Se fui eu, retiro... mas sempre soube da existencia deles.


#28

Todos os dias acabo entendendo alguma coisa!

Inclusive aquelas coisas que eu já sabia, mas talvez não estivesse entendendo.
Ou não querendo olhar...

Claro...

Parado no sinal olho o carro da frente com um adesivo colado: Deus está no controle!
Até aí nenhuma dúvida, pensei eu comigo mesmo.

Essa estória de dirigir o dia todo as vezes me faz falar sozinho, as vezes me deixa pensando muito, as vezes me dá vontade de ficar em silencio comigo mesmo. Outra (poucas) vezes eu canto. Um verdadeiro desastre rs rs

E lá ia eu fazer as últimas 2 entregas daquele roteiro com uma parada num fornecedor entre elas.

Dirigia tranquilamente pela rua, não pensando em nada, nem cantando.
Quando o cidadão na faixa da esquerda joga o carro em cima do meu, me fazendo freiar bruscamente.

Resultado? a caixa com os 2 vasos com as flores tombou e com ele a agua que estava nos vasos.
Parei o carro e constatei: vasos com flores SEM agua!

Como eu ia fazer pra entregar esses vasos?

No caso do segundo vaso era fácil, considerando que ia parar no fornecedor e poderia pedir agua pra ele. Mas e o primeiro vaso?

Paro num posto, num boteco, num lugar qualquer e resolvo essa parada.
Sigo o GPS e logo dou de cara com o endereço.

Como resolver isso?

Um prédio de escritório imenso, um cara na recepção muito atencioso:

"Esse endereço é no 2o andar, use aquele elevador".
"Voces tem banheiro aqui embaixo? Preciso completar a agua do vaso".
"Nossa, não tem nenhuma água... claro, ali naquela porta".

E quem foi que disse que anjo da guarda não existe?

sábado, 6 de fevereiro de 2016

#27

A folha das entregas me indica que as flores serão entregues numa agencia de propaganda.

A mocinha deve estar fazendo aniversário, imagino.
Ou então, sei lá, o cara deve estar no estágio inicial do processo de conquista.

Eu não mandaria 12 rosas vermelhas, mas tem quem goste.

Por que não?
Porque se a mocinha trabalha numa agencia de propaganda ela deve ter uma cabeça com outro foco, com uma abordagem das coisas diferente.

E não consigo me lembrar de nada mais tradicional que rosas vermelhas.

Mas, enfim , vamos à entrega.

Estaciono o carro, abro a porta traseira, tiro o vaso, atravesso a rua e entro no prédio.
3o andar.

Entro na agencia, muitos premios nas prateleiras.

Me atende um cara, um publicitário, obviamente.
Quem conhece um publicitário me entende, não precisa explicar...

"Um momento, já vou chamar".

Ouço ela avisando a mocinha sobre a entrega e ouço os passos no corredor.

Uma mocinha com cara de publicitária aparece, um sorriso bem feliz no rosto, sincero.
Profundo.

"Pode assinar antes, por favor? O vaso é pesado e vai ficar difícil assinar depois".

"Claro, com certeza".

E justificou a fama dos publicitários ao não assinar  a folha das entregas.
Deu um autógrafo... imenso...

#26

Era um prédio de um condomínio que costumo entregar flores.

Um condomínio imenso, com muuuitos prédios. Gigante.

Era uma entrega normal, no meio de várias.

Toco a campainha e espero, como sempre.
Olho pelo vidro e vejo um tablet carregando e imagino que tenha alguém em casa.

E nada...

Toco a campainha novamente, acompanhada da habitual batida na porta.

"Estou indo"...

Vejo pela janela uma mulher loira, seus 40 e tantos, um pouco fora dos padrões normais de peso, se é que voce me entende... deve ter sido bonita um dia, claro... na época que o peso era adequado à altura...

Ela abre a porta e vejo que esta enrolada numa toalha branca, cabelo molhado.
Peço desculpas, claro.

Ela quase toma o vaso da minha mão e já diz:
"Já tinha ligado pra saber se já vinha entregar.
Preciso sair e se não chegasse ia ligar pra cancelar".

"A senhora pode assinar, por favor?"

"Claro".

E se vira pra por o vaso no chão, sem se dar conta que estava de toalha.

Só me restou olhar pro outro lado...

Afeee... que preguiça...

#25

As minhas meninas (lembra, 85+) te andado implacáveis!

A cada dia mais arrumadas, mais penteadas e mais perfumadas.
E também dando gorjetas.

Ufa!!!

Ainda bem que ainda dão gorjeta pro entregador de flores.

Elas é que não sabem, mas aqueles sorrisos são a maior gorjeta que eu posso receber.

Algumas olham, sorriem, ficam felizes e me mandam esperar enquanto vão buscar a gorjeta.
Outras já me esperam com a mãozinha no bolso da calça ou da camisola com o dinheiro enroladinho na mão.

Umas fofas... adoro...

#24

Entro  num condominio sem porteiro. Nem virtual nem físico.
Fazia tempo... ufa...

São muitas ruas até chegar no destino. Muitas curvas, esquerda, direita, vira, vira... cheguei.

A casa parece bem bacana, grande, espaçosa.

Toco a campainha uma vez, espero um pouco. Nada...
Toco a campainha outra vez e bato na porta ao mesmo tempo, só pra ter certeza que, se tiver alguém em casa, vai me ouvir.

Ouço o cachorro latindo.

Espero um pouquinho e ouço a maçaneta girando, a porta abrindo.

Uma moça dos seus 30 e poucos anos, roupa de ginástica, cabelo um pouco despenteado, bochechas vermelhas.

Hum.. será que atrapalhei alguma coisa interessante?

Enquanto ela assina a folha de recebimento olho pra dentro da sala com o canto dos olhos...
Lá dentro vejo o motivo daquela suadeira toda, na minha cara...

Uma TV de suas 60 ou mais polegadas pausada numa aula de fitness, um desses programas pra fazer ginástica.

Agradeço a assinatura, desejo um bom dia e saio pensando comigo mesmo:
por que não vai correr na rua? malhar no parque? sei lá...